Queda das mortes por Covid aponta indício do efeito da vacinação no Brasil; veja o que se sabe e os alertas.

Dados mostram efetividade da vacina em grupos que já estão totalmente imunizados. Apesar disso, especialistas alertam que pandemia não está controlada e que a variante delta ainda é um risco.

Média móvel de mortes no Brasil — Foto: Elcio Horiuchi/G1

Média móvel de mortes no Brasil — Foto: Elcio Horiuchi/G1

média móvel de mortes por Covid-19 no Brasil está em queda desde o dia 20 de junho e se manteve assim no mais recente balanço do consórcio dos veículos da imprensa: 1.558 mortes nos últimos 7 dias.

Especialistas ouvidos pelo G1 apontam que os números da queda estão entre os dados que já mostram a efetividade da vacina em grupos (sobretudo idosos) que estão totalmente imunizados. Apesar disso, eles alertam que a pandemia não está controlada e que a chegada da variante delta ainda é um risco para aqueles que não tomaram as duas doses da vacina.

“A vacinação com duas doses dos idosos (é a explicação para a queda). A cobertura já está bem elevada nesta faixa, acima dos 60%. Acima dos 70, 80 e 90 ainda é maior. No número de casos, o impacto só vai ser maior com o avanço da vacinação”, afirma Julio Croda, infectologista e pesquisador da Fiocruz.

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Abaixo, veja um resumo de todos os demais pontos que podem estar contribuindo para a queda da média móvel de mortes e os alertas para o cenário futuro:

 

Momento atual da pandemia e a queda da média móvel:

  1. Brasil tem queda de mortes na faixa etária acima de 60 anos associada à vacinação;
  2. Avanço da campanha de vacinação, grande número de infectados e medidas restritivas;
  3. Aumento da aplicação de vacinas que oferecem proteção parcial mesmo com uma dose (Pfizer e AstraZeneca);
  4. Tendência de melhora nas taxas de ocupação de leitos de UTI, segundo a Fiocruz;
  5. Recente queda na taxa de transmissão no Brasil para abaixo de 1.

Pontos de alerta

  • Queda não significa que a pandemia está sob controle no Brasil;
  • Redução pode ter relação com medidas de restrição adotadas há um mês;
  • Dados não apontam uma queda geral das mortes para todas as faixas etárias;
  • Brasil segue com alto platô de transmissão, acima do observado em 2020, segundo a Fiocruz;
  • Transmissão elevada gera casos mais graves entre os não vacinados;
  • Especialistas ainda demonstram preocupação com a possível chegada da variante delta ao país; considerada mais transmissível e responsável por surto de casos mesmo em países com vacinação avançada.

Veja abaixo a análise de cada um dos pontos:

1 – Queda das mortes no grupo acima de 60 anos

O avanço da vacinação entre as pessoas acima de 60 anos é apontado pelos pesquisadores e especialistas como um dos principais motivos da queda das mortes por Covid no Brasil. No gráfico abaixo, é possível ver que as mortes de pessoas acima de 80 anos começaram a cair ainda em março e, em abril, a queda passa a ser vista nos grupos de 60 a 69 anos e de 70 a 79 anos.

Os dados são corroborados por um estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), no Sul do Rio Grande do Sul, e da Universidade Harvard, dos Estados Unidos, que concluiu que a vacinação no Brasil evitou a morte de 43.082 pessoas com mais de 70 anos por Covid-19.

A pesquisadora Marcia Castro, professora de Demografia na Faculdade de Saúde Pública da Universidade Harvard e pesquisadora do Observatório Covid-19, uma das responsáveis pelo estudo, afirma que “não há outra explicação para a queda [de mortes] na faixa etária acima de 70 a não ser a vacina”.

“Se você olha ao longo do tempo, o patamar não se alterava desde o ano passado, só começa a cair com a vacina. E as mortes na faixa de 80 ou mais caem antes das de 70, o que faz sentido por conta das prioridades de vacinação” – Márcia Castro, pesquisadora de Harvard

A pesquisa analisou a curva de mortes pela doença de janeiro a maio. Os resultados mostram que a proporção de idosos entre o total de óbitos por coronavírus caiu de quase 28%, em janeiro, para 12% (entre quem tem mais de 80 anos) e 16% (entre quem tem de 70 a 79 anos) em maio. As mortes por outras causas permaneceram estáveis no período.

“Importante destacar que a grande maioria desse público que registrou queda foi vacinada com CoronaVac, uma parcela menor de AstraZeneca e quase nenhum de Pfizer. Então, essa queda nas mortes foi provocada majoritariamente pela CoronaVac”, diz Márcia.

A CoronaVac respondia por 65,4% das doses aplicadas nas quatro primeiras semanas do estudo, enquanto a AstraZeneca, por 29,8%. A pesquisa analisou um período de 19 semanas. Nas últimas quatro semanas, a vacina do Butantan era responsável por 36,5% e a da Fiocruz por 53,3% do total. A Pfizer respondeu pelas doses restantes no fim do período.

2 – Vacinação, infectados e medidas restritivas

Além da vacinação ter avançado no Brasil entre os grupos prioritários (idosos e pessoas com comorbidades), outros públicos começaram a ter acesso a vacinação. Até o fim de junho, 12,41% dos brasileiros já estavam completamente imunizados com duas doses de vacinas ou com uma da Janssen, que é de aplicação única. Há 73.569.254 pessoas imunizadas parcialmente, o que corresponde a 34,74% da população que recebeu só a primeira dose. O Brasil terminou o semestre com 99,8 milhões de doses aplicadas.

Sem falar em imunidade coletiva, a infectologista Helena Brígido, vice-presidente da Sociedade Paraense de infectologia e Mestre em Medicina Tropical, acredita que já pode haver reflexo da diminuição da transmissibilidade pelo bloqueio vacinal no Brasil.

“As pessoas idosas, profissionais da saúde, com comorbidades e etc estão pulverizadas entre jovens e crianças não vacinadas. Não é o ideal para proteção, mas de alguma forma, a situação está favorecendo, não sendo somente essa razão”, explica a infectologista Helena Brígido.

“A diminuição do número de óbitos de Covid no Brasil está também associada ao grande número de pessoas infectadas, assintomáticas ou não, que têm, não sabemos por quanto tempo, uma imunidade pós-ciclo viral no organismo, apesar de não ser o desejado pela possibilidade de gravidade. Outro item que colabora são as ações restritivas em alguns estados, mesmo muitos não seguindo à risca. Porém, sem dúvidas que a vacinação é o grande destaque, pois pessoas vacinadas ficam protegidas de casos graves e óbitos.” – Helena Brígido

O epidemiologista Bernardo Horta, pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), tem opinião semelhante à de Helena e aponta que, na redução das mortes, além da expansão da vacinação, “também contaram o distanciamento social e as medidas de proteção da população”.

Redução de mortes em outros países

Nos Estados Unidos, o início da tendência de queda ocorreu em 1º de fevereiro, quando o país já estava havia sete dias com a média móvel com viés de baixa. Naquela época, já sob a gestão de Joe Biden, os EUA tinham 7,78% das pessoas vacinadas com uma dose e 1,77% com a segunda.

Em 27 de abril, Biden decidiu liberar o uso de máscaras em algumas circunstâncias, quando tinham uma taxa de transmissão (Rt) de 0,84 e 47,38% da população tinha recebido ao menos uma dose.

No Uruguai, o início da tendência de queda aparece em 16 junho, tendo 61,61% da população com 1ª dose e 37,22% totalmente vacinada. Em Israel, a queda começa em 30 de janeiro, com 35% da população com uma dose e 20,68% já totalmente vacinada.

No Reino Unido, a queda começa em 8 de fevereiro, com 18,63% da população vacinada com uma dose e 0,76% totalmente vacinada. Em 10 de maio, a Inglaterra liberou o abraço entre familiares e amigos, quando 52,42% das pessoas já tinham recebido ao menos uma dose.

3 – Uso de vacinas com proteção parcial com 1ª dose

O papel da primeira dose de vacinas como a da Pfizer (75% de eficácia com uma dose) e da AstraZeneca (76% de eficácia com a primeira dose) não foi ainda alvo de estudos de efetividade (análise na população real e não em estudos), entretanto ambas as farmacêuticas disseram nos estudos que elas oferecem proteção parcial. No caso da Pfizer, o Ministério da Saúde inclusive seguiu a estratégia do Reino Unido e ampliou o intervalo entre doses para poder vacinar mais pessoas em menos tempo diante da escassez de vacinas.

O Brasil terminou o primeiro semestre de 2021 com a seguinte distribuição das vacinas aplicadas por fabricantes:

  • CoronaVac – 45% (43,2 milhões de doses)
  • AstraZeneca – 46,1% (43,7 milhões de doses)
  • Pfizer – 7,7% – (7,8 milhões de doses)
  • Janssen – 0,7% – (636 mil doses)

“O grau de proteção varia entre as vacinas. Por isso, é complicado (avaliar o impacto da proteção parcial da 1ª dose), depende da vacina, da idade, mas a primeira dose, aparentemente, tem um efeito, que é menor, mas tem”, explica Bernardo Horta, epidemiologista da UFPel.

Helena Brígido, ressalta, ainda, que não é possível ignorar a necessidade das segundas doses. “As vacinas têm o poder de já produzir anticorpos na primeira aplicação do produto. Este ativa o sistema imunológico, que reconhece a substância como invasora, porém, a maioria das vacinas precisa de segunda dose”, diz a infectologista.

O coordenador do Comitê de Infectologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Infectologia, Marcelo Otsuka, faz ressalvas, mas concorda com esse possível impacto. “Vacinas com alta eficácia contra casos sintomáticos têm mais chances de inibir a replicação viral já com uma dose. (…) Mas a proteção contra casos graves vem com a segunda dose”, diz Otsuka.

“Não dá para confiar em uma dose só, não importa o imunizante: se é dose dupla, todos têm que tomar as duas doses. Muitos pensam que segunda dose é um mero “reforço” opcional, o que é um erro”, explica Otsuka.

4 – Melhora nas taxas de ocupação de leitos de UTI

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) destacou no Boletim Observatório Covid-19, divulgado na quarta-feira (30), que há tendência de melhora nas taxas de ocupação de leitos de UTI para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS). Após o colapso em março, a melhora nos indicadores favorece cuidados mais efetivos e ajuda a reduzir também as mortes. Atualmente, apenas 3 estados têm taxa de ocupação acima de 90%.

 

Os pesquisadores afirmam que esse dado pode ser reflexo da nova fase da pandemia, que “pode ser explicada pela campanha de vacinação, que priorizou os grupos de maior risco ou de maior exposição, como idosos, portadores de doenças crônicas e profissionais da saúde e de diversas outras profissões”.

Melhora nas taxas de ocupação de leitos de UTI em junho de 2021 — Foto: Fiocruz

Melhora nas taxas de ocupação de leitos de UTI em junho de 2021 — Foto: Fiocruz

5 – Redução da taxa de transmissão

Outro dado associado ao atual momento de queda nos indicadores da pandemia no Brasil é a taxa de transmissão (Rt) do coronavírus. O monitoramento do Imperial College de Londres está em queda e atualmento o Rt é de 0,98. Um Rt de 0,98 significa que cada 100 pessoas com o vírus no país infectam outras 98. Na semana passada, o Rt do Brasil estava em 1,13.

Um dado paralelo, que não pode ser considerado oficial, mas que dá dimensão dessa queda foi divulgado nesta quinta-feira (1º) pela Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).

Segundo os dados da associação, o período de 14 a 20 de junho contabilizou 274.711 testagens, índice 18% abaixo da semana anterior e 28% menor em relação ao intervalo de 24 a 30 de maio – com mais de 373 mil atendimentos.

 

Do volume total da última semana, 60.174 testes confirmaram o diagnóstico da Covid-19, o que representou uma redução de 31% em comparação com a semana recorde de maio. “E pela primeira vez após quatro meses, o percentual caiu para 22%. Até então, oscilava entre 23% e 25%. Embora ainda não esteja no ritmo ideal, o processo de vacinação vem acelerando e pode ajudar a explicar esses indicadores”, comenta Sérgio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.

Atenção: os pontos de alerta

Apesar dos indicadores acima, os especialistas são unânimes em afirmar que a queda das mortes não significa que a pandemia está sob controle no Brasil e que o coronavírus tem apresentado ciclos distintos.

“(A manutenção da queda) depende do comportamento das pessoas. Até mesmo países com quase 50% de vacinados podem passar por subida no número de casos: basta os outros 50% se colocarem em situação de risco de infecção. E com variantes mais transmissíveis, o esforço vacinal terá que se elevar de forma proporcional”, alerta o virologista Anderson Brito, pesquisador de pós-doutorado na Escola de Saúde Pública da Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Além do impacto da vacinação, a redução da curva pode ter relação com medidas de restrição adotadas há um mês e que precisam ser mantidas, sobretudo porque os dados não apontam uma queda geral das mortes para todas as faixas etárias.

“Pode ser que aumente o número de óbitos de novo, sim, mesmo com a vacinação. As mortes que vemos hoje são reflexo de medidas tomadas um mês atrás. Vários lugares tomaram medidas de isolamento e distanciamento”, afirma o infectologista Marcelo Otsuka.

Especialistas ouvidos pelo G1 também demonstram preocupação com a possível chegada da variante delta ao país, considerada mais transmissível e responsável por surto de casos mesmo em países com vacinação avançada.

“Depende, por exemplo, da variante delta. Se entrar forte no país, pode ter novo aumento. Agora, se o cenário não mudar, vacinação avançando e sem novas variantes, aí sim, manteremos esse padrão de queda”, afirma Julio Croda.

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