Taxa de mortalidade na Terra Yanomami foi maior que o índice nacional no 1º ano da pandemia

Relatório do Ministério da Saúde indica que território registrou 10,7 óbitos para cada mil habitantes. O número é 3,3 pontos maior que a taxa nacional no mesmo ano. Maior território indígena do país sofre uma grave crise humanitária e sanitária e está sob emergência na saúde.

Criança Yanomami com desnutrição é resgatada por agentes de saúde — Foto: Paulo Zero

Criança Yanomami com desnutrição é resgatada por agentes de saúde — Foto: Paulo Zero

Com mortes causadas por severos casos de desnutrição e malária, a taxa de mortalidade na Terra Indígena Yanomami ficou em 10,7 óbitos para cada mil habitantes em 2020, a maior nos últimos cinco anos, segundo um relatório do Ministério da Saúde divulgado pela pasta na terça-feira (7). O índice é mais de três pontos acima da taxa nacional (7,4 por cada mil habitantes) se comparado ao mesmo período – primeiro ano da pandemia.

O relatório “Missão Yanomami” detalha a visita das equipes do Ministério da Saúde em Boa Vista e na Terra Indígena entre os dias 15 e 25 de janeiro. Entre os lugares em que as equipes estiveram estão o Casa de Saúde Indígena (Casai) de Boa Vista, e polos bases Surucucu e Xitei, com forte presença de garimpos.

Em 2020, a taxa de mortalidade do Brasil passou a ser afetada pela pandemia da Covid-19, em março daquele ano. No entanto, na Terra Yanomami foi o garimpo ilegal que ajudou a elevar os registros. A atividade garimpeira é a grande causadora da degradação e desequilíbrio ambiental da região.

No ranking de mortalidade, que incluiu dados dos últimos cinco anos, 2020 ocupa o primeiro lugar com o maior número de mortes — 332 (veja os dados completos no gráfico abaixo). Nesse período, foram 211 crianças e adolescentes mortos, e 121 óbitos de adultos e idosos.

Número de óbitos na Terra Indígena Yanomami
Dados de óbitos registrados entre 2018 e 2022
20182019202020212022200225250275300325350
Fonte: Siasi/Sesai

Em relação ao ano de 2019, foram registrados 259 óbitos de indígenas Yanomami, o segundo maior registro. Seguido de 2021, com 249 mortes e 2018, com 236. No ano passado, a região confirmou 209 mortes.

De acordo com o estudo, as principais causas de óbitos são por “agravos preveníveis” e o principal agravante é a desnutrição, problema antigo na região. O garimpo ilegal do ouro contamina os rios, matando peixe e animais de caça, o que impacta na disponibilidade de alimentos.

O quadro também está associado à maior mortalidade e à recorrência de doenças infecciosas, além de causar prejuízos no desenvolvimento psicomotor da criança.

Maior território indígena do país, a Terra Yanomami enfrenta uma das piores crises sanitárias da história em três décadas de demarcação e está sob emergência em saúde. Devido ao avanço do garimpo ilegal na região, crianças e adultos enfrentam casos severos de desnutrição e malária.

Sem socorro médico nos últimos nos últimos quatro anos, muito morreram ou agravaram os quadros de doenças. Debilitadas, crianças chegam a pesar menos que o dobro do que deveria para a idade.

Crianças Yanomami tem peso de bebês — Foto: Arte/g1

Crianças Yanomami tem peso de bebês — Foto: Arte/g1

Em números absolutos e considerando todas as faixas etárias ao longo dos quatro anos, a faixa mais atingida é a de crianças com menos de um ano: 505 óbitos. Seguido de crianças com idades entre 1 e 4 anos, com 178 mortes, e de idosos entre 60 a 79 anos, com 150.

Abaixo, veja os óbitos por faixa etária nos quatro anos (2018 a 2022):

  • Menor de um ano – 505 óbitos
  • 1 a 4 anos – 178 óbitos
  • 5 a 9 anos – 57 óbitos
  • 10 a 14 anos – 33 óbitos
  • 15 a 19 anos – 72 óbitos
  • 20 a 39 anos – 142 óbitos
  • 40 a 59 anos – 97 óbitos
  • 60 a 79 anos – 150 óbitos
  • 80 anos ou mais – 51 óbitos

Nos anos de 2018 e 2019, a faixa etária de crianças com menos de um ano já apresentava mais óbitos com 118 e 125 registros de mortes, respectivamente.

Em 2021 e 2022 os números diminuíram, com 69 e 67 registros. De acordo com o relatório, os dados desses dois anos são preliminares, ou seja, estão sujeitos à alteração. Mas, de toda forma, o indicador permanece acima do observado em todo o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) de 2018 a 2022.

Óbitos por faixa etária

Faixa etária 2018 2019 2020 2021 2022
Menor de 1 ano 118 125 126 69 67
1 a 4 anos 27 32 36 51 32
5 a 9 anos 8 9 21 8 11
10 a 14 anos 5 6 8 6 8
15 a 19 anos 7 16 20 14 15
20 a 39 anos 24 20 43 31 24
60 a 79 anos 26 29 39 32 24
80 anos ou mais 5 6 13 12 15

Dessa forma, a Taxa de Mortalidade Infantil (TMI) no Dsei Yanomami cresceu até 2020. Segundo o estudo, esse número reflete as condições de desenvolvimento socioeconômico e infraestrutura ambiental da região.

“A TMI reflete, de maneira geral, as condições de desenvolvimento socioeconômico e infraestrutura ambiental, bem como o acesso e a qualidade dos recursos disponíveis para atenção à saúde materna e da população infantil”, diz trecho do documento.

Em relação ao diagnóstico de doenças, os casos de malária, tuberculose, desnutrição grave, síndrome gripal, síndrome respiratória aguda grave e diarreias aguda foram os que mais se destacaram.

Entre 2018 e 2022 foram registrados pelo Dsei Yanomami 103 casos de tuberculose, o que representa uma incidência de 332,1 para cada 100 mil habitantes. Desses casos, 53 (51,5%) foram em indígenas do sexo masculino e 50 (48,5%) em indígenas do sexo feminino.

No caso da malária, uma das principais doenças enfrentadas pelos indígenas, o estudo apontou um aumento dos casos notificados quando comparado os anos de 2019 e 2020. Nesse período, o índice da doença na região passou de 26,6% para 34,1%.

SAIBA MAIS:

Maior território indígena do país, a Terra Yanomami está no centro do debate nacional após dezenas de denúncias revelarem o caos sanitário na saúde. São relatos e imagens que expõem indígenas extremamente desnutridos e com malária, abandonados pelo governo.

Para atender os indígenas doentes, um hospital de Camapanha já foi instalado em Boa Vista. A unidade, administrada pela Aeronáutica, fica nas dependências da Casai.

Mas, nessa terça, o secretário de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Weibe Tapeba, afirmou que também vê a necessidade de implantar dois hospitais de campanha no território indígena. A informação foi divulgada por ele em uma coletiva de imprensa.

Tapeba, que chegou nesta terça a Roraima, esteve na região de Surucucu no dia 22 de janeiro. Um hospital de campanha foi montado na Casa de Saúde Indígena (Casai).

Inicialmente, a ideia era implantar um Hospital de Campanha em Surucucu, região de referência no território. No entanto, devido ao grande número de indígenas doentes, a Sesai também quer montar uma unidade na região Auaris.

Crise humanitária Yanomami

Entenda como funciona o garimpo ilegal na terra Yanomami e os danos causados na região

Em janeiro deste ano, o presidente Lula esteve em Roraima para acompanhar a crise sanitária dos Yanomami. Na ocasião, ele prometeu pôr fim ao garimpo ilegal na Terra Yanomami. Ele classificou a situação dos indígenas doentes como desumana.

A Terra Yanomami tem mais de 10 milhões de hectares distribuídos entre os estados de Amazonas e Roraima, onde fica a sua maior parte. São cerca de 30 mil indígenas vivendo na região, incluindo os isolados, em 371 comunidades.

A região está em emergência de saúde desde 20 de janeiro e, inicialmente, por 90 dias, conforme decisão do governo Lula. Órgãos federais auxiliam no atendimento aos indígenas.

As ações de desintrusão — expulsão dos garimpeiros do território — devem ser coordenadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, que no último dia 30 publicou a criação de um grupo de trabalho para elaborar, em 60 dias, medidas de combate ao garimpo ilegal em terras indígenas.

Com o início das ações de repressão contra a atividade ilegal, como o controle do espaço aéreo, garimpeiros tentam deixar a região.

Vídeos que circulam nas redes sociais desde o dia 31 de janeiro mostram homens e mulheres em grupos deixando a região em barcos ou em caminhadas pela floresta. Eles também têm tentando sair da região em voos clandestinos, mas não estão encontrando pessoas dispostas a buscá-los no território.

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