Mortes sem causa determinada crescem 35% no país, diz Atlas; 2.775 assassinatos de mulheres podem não ter sido contabilizados

Aumento dessa estatística revela piora na qualidade das informações do sistema de saúde brasileiro em 2019 e pode levar a análises distorcidas, como a de queda de homicídios, segundo autores do Atlas da Violência 2021.

Certidão de óbito  — Foto: TV Globo / Reprodução

Certidão de óbito — Foto: TV Globo / Reprodução

O número de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) saltou de 12.310 para 16.648 entre 2018 e 2019 no Brasil, o que representa uma alta de 35,2% em um ano. É o que aponta o Atlas da Violência 2021, estudo divulgado nesta terça-feira (31) e elaborado por meio de uma parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do Ministério da Economia, e o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).

O estudo foi feito com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) com bases nos atestados de óbito, ambos do Ministério da Saúde.

De acordo com o estudo, a sigla MVCI é utilizada para os casos de mortes violentas por causas externas em que não foi possível estabelecer a causa do óbito ou a motivação que gerou o fato, como, por exemplo, uma agressão (homicídio) ou um acidente de trânsito.

aumento expressivo dessa estatística é visto pelos autores do Atlas da Violência como um indício da perda da qualidade das informações produzidas pelo sistema de saúde.

“O aprimoramento das políticas públicas de segurança, desde a definição da agenda até a avaliação das ações implementadas, depende da qualidade das informações disponíveis sobre violência.(…) No entanto, o recente aumento das mortes violentas por causa indeterminada (MVCI) no Sistema de Informações de Mortalidade reduz o conhecimento sobre a realidade atual e, em um estudo como este, entre outras coisas, prejudica a comparação com anos anteriores e a verificação da situação nas Unidades Federativas”, diz o Atlas.

Segundo os dados usados pelo Atlas, o Brasil registrou 45.503 homicídios, o que corresponde a uma taxa de 21,7 mortes por 100 mil habitantes.

“Crescimento das mortes sem causa definida. Preocupa muito porque a gente e está traçando política pública no escuro. A gente está falando de mortes que decorrem de causas externas, ou são homicídios, ou são suicídio ou são acidentes de trânsito. Mas são mortes violentas que exigem estratégias de políticas públicas para intervir nesse cenário. Se a gente não sabe o que provocou, isso, por si só, já gera enorme preocupação”, completa Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coordenadora do Atlas.

Um estudo realizado em 2013 pelo economista e pesquisador Daniel Cerqueira, um dos autores do Atlas, estimou que 73,9% dos MVCIs são homicídios.

Isso quer dizer que 12.302 das 16.648 mortes violentas sem causa determinada contabilizadas poderiam entrar na estatística de homicídios caso a qualidade da informação do sistema de saúde do país fosse maior.

Comparativamente, entre as vítimas mulheres, esse problema da deterioração dos dados sobre violência é ainda maior. Em 2019, para cada mulher vítima de homicídio, havia uma mulher vítima de MVCI. Segundo o Atlas, foram registradas em um ano 3.756 mortes sem causa determinada ante 3.737 assassinatos.

Levando-se em conta os dados de MVCI de mulheres em 2019, 2.775 casos de assassinato de mulheres podem não ter entrado na estatística de assassinato em razão desse problema de qualidade da informação produzida pelo sistema de saúde nacional.

Mortes violentas e de causa indeterminada — Foto: Arte/G1

Mortes violentas e de causa indeterminada — Foto: Arte/G1

‘Escândalo’ nos dados

Para o economista Daniel Cerqueira, diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves e um dos coordenadores do Atlas, a piora na qualidade dos dados do Sistema de Saúde “é um escândalo”.

“Em primeiro lugar, é necessário dizer que esse grande patrimônio nacional, que é o Sistema de Informação sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, nos últimos dois anos, tem deteriorado absurdamente. Eu diria que é um verdadeiro escândalo. Se compararmos o total de mortes violentas por mortes por causa indeterminada, e dividirmos pelo total de motes violentas, significa dizer que, entre 2017 e 2019, essa proporção aumentou 88,7%.”

De acordo com Cerqueira, esse problema decorre de problema em diferentes esferas de governo. “Foram mais de 16 mil pessoas que morreram [em 2019] e o estado não soube dizer por que morreram. De quem é a responsabilidade? Eu acho que é uma corresponsabilidade. Por um lado, houve uma deterioração na qualidade do trabalho feito pelo Ministério da Saúde para qualificar o dado. Mas essa responsabilidade tem de ser dividida também com algumas unidades federativas onde o dado piorou muito”, diz o diretor-presidente do Instituto Jones dos Santos Neves.

Uma década de assassinatos

Segundo o Atlas da Violência 2021, entre 2009 e 2019, 623.439 foram assassinadas no Brasil. Desse total, 53% das vítimas tinham entre 15 e 29 anos.

Dada a deterioração da qualidade dos dados sobre violência no país, os autores do Atlas estimam que o total de assassinado no país de 713.196 (89.757 a mais do que o dado computado).

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