‘Inclusivismo’: ministro usa termo da teologia para falar de educação de crianças com deficiência; entenda

G1 ouviu quatro especialistas em educação – eles afirmam que a palavra empregada por Milton Ribeiro não é usada em políticas públicas ou debates na área. ‘É uma criação imprópria para significar inclusão forçada’, explica pesquisadora da Unicamp.

Ministro Milton Ribeiro participa de programa na TV Brasil — Foto: Reprodução/Youtube

Ministro Milton Ribeiro participa de programa na TV Brasil — Foto: Reprodução/Youtube

O termo “inclusivismo”, mencionado mais de uma vez pelo ministro Milton Ribeiro, não é usado em discussões acadêmicas ou em políticas públicas da área de educação, segundo especialistas ouvidos pelo G1.

É uma expressão que existe apenas na teologia – exatamente a área de formação do ministro Ribeiro – para representar uma ideia sem ligação com o debate educacional.

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Segundo Eulálio Figueira, professor de ciências da religião da PUC-SP, “inclusivismo” é uma palavra nova empregada principalmente no campo da pastoral. Ele cita o exemplo do padre Júlio Lancellotti, conhecido por lutar pelos direitos humanos e prestar assistência à população de rua de São Paulo.

“Ele é considerado inclusivista, porque leva a dimensão do credo dele, sem se importar se quem está recebendo a ajuda é católico ou não. Não existe esse proselitismo; não há a preocupação em converter o outro”, explica. “Não importa a fé do sujeito a quem se destina a ação.”

O que o ministro quer dizer, então?

Nos contextos em que a expressão é usada pelo ministro da Educação, “inclusivismo” parece ser uma crítica à “inclusão” – prática de possibilitar que todos os alunos, com ou sem deficiência, tenham acesso às escolas comuns, à aprendizagem, a espaços adaptados e a tecnologias assistivas, por exemplo.

Em 9 de agosto, Ribeiro afirmou, em entrevista à TV Brasil, que “nós temos, hoje, 1,3 milhão de crianças com deficiência que estudam nas escolas públicas. Desse total, 12% têm um grau de deficiência que é impossível a convivência. O que o nosso governo fez: em vez de simplesmente jogá-los dentro de uma sala de aula, pelo ‘inclusivismo'”.

Nesta terça-feira (23), o ministro mencionou mais uma vez o termo. “Nós não queremos o ‘inclusivismo’, criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar.”

A jornalista Claudia Werneck, fundadora da Escola de Gente – Comunicação em Inclusão, diz que não conhece a palavra.

“Ninguém que trabalha com educação inclusiva usa esse termo. Deduzo que ele queira criticar a inclusão e dizer que, na prática, ela significa colocar uma criança com deficiência na sala de aula, mas não garantir o direito à aprendizagem. Mas isso é tudo, menos inclusão.”

Outra especialista que também desconhece o vocábulo é Eliana Cunha Lima, coordenadora de educação inclusiva da Fundação Dorina Nowill.

“Fiz mestrado e doutorado em educação inclusiva e posso dizer que ‘inclusivismo’ não existe na área educacional. O ministro parece querer expressar que a inclusão é algo ruim para todos – pessoas com ou sem deficiência”, afirma.

Para Maria Teresa Eglér Mantoan, doutora em educação e coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Unicamp, o termo seria “uma criação imprópria para significar uma inclusão impingida [forçada]”.

Luiza Corrêa, coordenadora no Instituto Rodrigo Mendes, tem a mesma interpretação.

“Esse termo não existe. O ministro está falando como se inclusão fosse apenas colocar as crianças em salas comuns, sem que elas participem efetivamente do processo de ensino-aprendizagem”, diz.

“É uma desculpa pra segregar esses alunos, e, em vez de investir recursos públicos para acessibilidade arquitetônica, formação de professor e elaboração de material inclusivo, passar a colocar o dinheiro em escolas especiais. É um retrocesso.”

G1 perguntou ao MEC qual seria a intenção de Ribeiro empregar com frequência um termo que só existe, em tese, na teologia. Também questionou qual sentido o ministro pretende atribuir à palavra. Até a última atualização da reportagem, a pasta não havia respondido.

Aumento da presença de crianças com deficiência em salas comuns

Nos últimos anos, apesar de ainda haver obstáculos, o Brasil avançou em direção à inclusão. Em 2020, segundo o Censo, o país tinha 1,3 milhão de crianças e jovens com deficiência na educação básica. Entre eles:

  • 86,5% estudavam nas turmas comuns;
  • 13,5% estavam em salas ou escolas exclusivas.

Em 2005, o total de pessoas com deficiência matriculadas era bem menor (492.908), e a maioria delas (77%) permanecia em espaços específicos para alunos com necessidades educativas especiais – apenas 23% eram incluídas nas salas regulares.

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